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Tafssír do Surah Fátihah

بِسْمِ اللّٰهِ الرَّحْمٰنِ ٱلرَّحِيمِ

اَلْحَمْدُ لِلّٰهِ رَبِّ الْعٰلَمِينَ ‎﴿١﴾‏ الرَّحْمٰنِ الرَّحِيمِ ‎﴿٢﴾‏ مٰلِكِ يَوْمِ الدِّينِ ‎﴿٣﴾‏ اِيَّاكَ نَعْبُدُ وَاِيَّاكَ نَسْتَعِينُ ‎﴿٤﴾‏ اهْدِنَا الصِّرَاطَ الْمُسْتَقِيمَ ‎﴿٥﴾‏ صِرَاطَ الَّذِينَ اَنْعَمْتَ عَلَيْهِمْ ﴿٦﴾‏ غَيْرِ الْمَغْضُوبِ عَلَيْهِمْ وَلَا الضَّآلِّينَ ‎﴿٧﴾‏

Todos os louvores são para Allah, o Rabb dos mundos. O Mais Compassivo, o Mais Misericordioso. Dono do Dia do Julgamento. Somente a Ti adoramos e somente a Ti pedimos ajuda. Guia-nos para o caminho recto – o caminho daqueles a quem favoreceste (com a Tua graça), não o caminho daqueles sobre quem caiu a Tua ira, nem o caminho daqueles que se desviaram.

O Primeiro Surah

Surah Fátihah é o primeiro surah do Sagrado Qur’án. Não é apenas o primeiro surah na actual sequência dos surates do Qur’án, mas também é o primeiro surah completo a ser revelado por Allah Ta’ala. Antes da revelação do Surah Fátihah, embora os versículos iniciais do Surah Alaq e do Surah Muddassir tenham sido revelados, nenhum surah completo havia sido revelado.

A razão do Surah Fátihah encontrar-se antes de qualquer outro surah do Qur’án Majíd é que o Surah Fátihah é a essência do Qur’án Majíd e o seu conteúdo engloba os três temas principais do Qur’án Majíd. Portanto, é como se o resto do Qur’án Majíd que segue o Surah Fátihah fosse como seu comentário ao elabolar os seus três temas principais.

Os três temas principais do Qur’án Majíd

Em resumo, o conhecimento contido em todo o Qur’án Majíd refere-se a um dos três temas principais: (1) Trazer imán na Unicidade de Allah Ta’ala e nos Seus atributos divinos, (2) Fazer a’amál-e-sálihah (boas acções), (3) Vida do Além (Ákhirah).

Os princípios básicos de todos estes três temas principais foram referidos e indicados no Surah Fátihah. É por esta razão que dentre os títulos que o Surah Fátihah recebeu, conforme mencionado nos Ahádice, estão os títulos “Ummul Qur’án” (a Essência do Qur’án), “Ummul Kitáb” (a Essência do o Livro) e “Al- Qur’án-ul-Azím (o Glorioso Qur’án).”

A Mensagem do Surah Fátihah

Quando examinamos o conteúdo deste surah, percebemos que é uma mensagem de Allah Ta’ala ao homem sobre como ele deve suplicar a Allah Ta’ala e buscar a orientação Dele. Portanto, neste surah, a pessoa implora a Allah Ta’ala para lhe mostrar o caminho daqueles que foram favorecidos por Allah Ta’ala e salvá-lo do caminho daqueles que adquiriram a Sua fúria e do caminho daqueles que foram extraviados.

Allah Ta’ala responde a esta súplica do homem, concedendo-lhe a orientação que foi revelada no resto do Qur’án Majíd. Portanto, é como se o resto do Qur’án Majíd fosse uma resposta a esta súplica do homem no Surah Fátihah.

O foco da mensagem do Surah Fátihah

O foco da mensagem deste surah é que, para que alguém se beneficie do Qur’án Majíd, é necessário trazer imán nos artigos básicos da fé, como por exemplo: (1) Acreditar na Unicidade de Allah Ta’ala (2) Acreditar em todos os Seus atributos belos e divinos (3) Acreditar na vida do Além (4) Acreditar no ajuste de contas no Dia do Juízo Final (5) Acreditar no riçálah (profecia) de Raçulullah (sallallahu alaihi wassallam) (6) Seguir o caminho dos servos especiais de Allah Ta’ala (os Ambiyá [alaihimus salám]) (7) Abster-se dos caminhos dos Seus inimigos que levam à Sua desobediência.

Da mesma forma, este surah orienta o homem a alcançar o seu objectivo, voltando-se completamente para Allah Ta’ala, adorando-O, buscando orientação e assistência Dele.

Se alguém recitar este surah e estudá-lo com uma mente aberta e coração sincero, como uma verdadeira pessoa em busca da verdade, certamente que ele será abençoado com a verdadeira orientação de Allah Ta’ala.

As Virtudes do Surah Fátihah

Em relação às virtudes do Surah Fátihah, Raçulullah (sallallahu alaihi wassallam) disse que este Surah é cura para todos os tipos de doenças. De acordo com outro Hadice, este surah também é chamado de “Ash-Shifá” (a cura para todas as doenças).

É relatado por Hazrat Anass (radhiyallahu an’hu) que Raçulullah (sallallahu alaihi wassallam) chamou este surah de o maior surah dentre todos os surates do Qur’án Majíd.

Num outro Hadice, Hazrat Abu Hurairah (radhiyallahu an’hu) relata que Raçulullah (sallallahu alaihi wassallam) disse: “Juro por Allah Ta’ala, que é o Dono da minha vida, que nem o Tawrah, nem o Injíl, nem o Zabur nem qualquer outra parte do Qur’án pode ser comparada com o Surah Fátihah.”

Os Ulamá explicam que as escrituras celestiais são aproximadamente 104, e as mensagens de todas essas escrituras estão contidas nos quatro livros famosos, isto é, o Zabur, Tawrah, Injíl e o Qur’án. A mensagem divina de todos esses livros está condensada no Qur’án, e a mensagem fundamental do Qur’án está encapsulada no Surah Fátihah. E a essência do Surah Fátihah pode ser encontrada nas palavras “Bismillahir Rahmánir Rahím”.

A Essência de Bismillah

بِسْمِ اللّٰهِ الرَّحْمٰنِ ٱلرَّحِيمِ

Em nome de Allah, o Beneficente, o Misericordioso.

Era hábito e modo de vida das pessoas da era pré-islâmica que, quando iniciavam qualquer trabalho ou tarefa, eles levavam os nomes dos seus ídolos para adquirir bênçãos. Allah Ta’ala aboliu essas práticas erradas dos pagãos e instruiu-os que em vez de usarem os nomes dos seus falsos deuses e divindades, eles deveriam levar o nome de Allah Ta’ala ao iniciar qualquer trabalho ou tarefa.

Na realidade, a vida de um crente é governada pela crença e convicção de que é somente com a graça e a ajuda divina de Allah Ta’ala que todas as acções são realizadas. Consequentemente, um crente é instruído a recitar “Bismillah” ao abrir ou fechar a porta, ao cobrir qualquer utensílio, ao começar a comer ou beber, ao embarcar numa viagem, ao subir ou descer do veículo, etc.

Quando dizemos “Bismillah” (em nome de Allah), estamos na realidade dizendo que estamos a iniciar o nosso trabalho ou tarefa com o nome de Allah Ta’ala e com Sua assistência e bênçãos divinas. Em outras palavras, reconhecemos que sem Allah Ta’ala, não podemos realizar nenhum trabalho nem executar qualquer tarefa, não importa quão pequena seja a mesma.

Em resumo, todos os aspectos da vida de um crente devem começar com o levar o nome de Allah Ta’ala. Da mesma forma, antes de começar a recitação do Qur’án Majíd, somos ordenados a recitar “Bismillah.” A razão para recitar “Bismillah” é buscar a ajuda e bênçãos divinas de Allah Ta’ala para recitar o Qur’án Majíd correctamente, bem como ser capaz de compreender a mensagem do Qur’án Majíd e adquirir orientação especial através dele.

Louvar Allah Ta’ala

اَلْحَمْدُ لِلّٰهِ

Todos os louvores são para Allah.

Este surah começa com as palavras “الحمد لله” (Todos os louvores são para Allah), significando que todos os louvores pertencem essencialmente apenas a Allah Ta’ala. A pessoa que elogia qualquer entidade criada em qualquer parte do mundo está, na realidade, elogiando o criador de todas as coisas – Allah Ta’ala, pois a admiração de qualquer objecto é, na verdade, admiração do seu produtor.

Portanto, quando Allah Ta’ala é aquele Ser que criou tudo, elogiar algo é na verdade louvar o seu Criador, pois Ele é quem lhe concedeu beleza e esplendor.

Ao examinar o mundo e as entidades criadas no mesmo, cada coisa chama a atenção do homem para a sua beleza e esplendor, mas quando se olha além do véu para ver quem está a controlar tudo no universo e permitir que este funcione em harmonia, certamente perceberemos que não é outro senão Allah Ta’ala.

Em essência, cada criatura, no seu esplendor e beleza, é uma manifestação da grandeza e majestade somente do Todo-Poderoso Allah Ta’ala.

Uma vez que o homem tenha percebido que existe apenas um Ser em todo o universo que é digno de todo louvor, portanto ele deverá compreender que somente este grande Ser deverá ser digno de adoração. Assim, vemos que embora a frase “الحمد لله” (Todos os louvores são para Allah) tenha sido usada para significar louvor, ainda assim, por implicação, ela corta a própria raiz do shirk (politeísmo) e da adoração de todas as entidades criadas, e ao mesmo tempo, estabelece a crença no tauhíd (trazer fé na Unicidade de Allah Ta’ala).

Portanto, percebemos que o primeiro versículo do Sagrado Qur’án estabelece o princípio fundamental do Islám (ou seja, Tauhíd – a Unicidade de Allah Ta’ala).

O Rabb dos Mundos

رَبِّ الْعٰلَمِينَ

O Rabb dos mundos

A palavra “Rabb” refere-se ao Ser que traz à existência toda as criaturas, e as sustenta, mantem e as leva gradualmente através das diferentes fases de desenvolvimento, até atingir a perfeição. Portanto, entendemos que este atributo de Rabb é exclusivo ao Ser Sagrado de Allah Ta’ala e ninguém mais compartilha dele.

عٰلمين” (os mundos) refere-se aos diferentes mundos ou aos diferentes planetas que Allah Ta’ala criou. Um mundo é o mundo em que vivemos actualmente. Este mundo é visível ao homem. No entanto, existem muitos outros mundos ou planetas criados por Allah Ta’ala que não são visíveis ao homem.

A palavra “عٰلمين” também pode se referir às diferentes espécies de criaturas, como o reino humano, o reino animal, o reino dos jinnát e o reino dos Maláikah, etc. Estas criaturas são, por vezes, referidas por mundos (o mundo do homem, o mundo dos gênios, o mundo animal, etc.).

Portanto, quando Allah Ta’ala diz “الحمد لله رب العٰلمين” (Todos os louvores são para Allah, o Rabb dos mundos), isso significa que todo louvor é devido àquele Ser que deu existência a todas as criaturas, sustentando-as, mantendo-as e cuidando delas desde o início até o fim do mundo em que vivem.

O Mais Compassivo, o Mais Misericordioso

الرَّحْمٰنِ الرَّحِيمِ ‎

O Mais Compassivo, o Mais Misericordioso

“Ar-Rahmán” e “Ar-Rahím” são ambos atributos de Allah Ta’ala, denotando Sua extrema misericórdia. Contudo, a diferença entre os dois atributos é que “Ar-Rahmán” indica a natureza extensa da Sua misericórdia, enquanto “Ar-Rahím” refere-se à natureza intensiva da Sua misericórdia.

Dono do Dia do Julgamento

مٰلِكِ يَوْمِ الدِّينِ ‎﴿٣﴾

Dono do Dia do Julgamento

Apesar de Allah Ta’ala ser o Dono e Proprietário de todas as criaturas e de tudo o que está contido no universo em todos os momentos, Allah Ta’ala descreveu-Se neste versículo como sendo o Dono e Proprietário do Dia do Julgamento em específico.

Os Ulamá explicam que a razão disso é que neste mundo, Allah Ta’ala deu ao homem a propriedade de certas coisas, e Allah Ta’ala concedeu a certas pessoas a autoridade e o controle de governar as outras pessoas e certas partes do mundo. No entanto, no Dia do Juízo Final, a propriedade e a autoridade de cada pessoa cessarão e não haverá criatura que terá qualquer controlo ou autoridade sobre qualquer pessoa ou coisa. Será apenas o julgamento de Allah Ta’ala que prevalecerá sobre todos naquele dia. Consequentemente, Allah Ta’ala descreveu a Si mesmo como o Dono do Dia do Julgamento.

A natureza deste mundo comparada com o outro

Allah Ta’ala criou o mundo como uma morada para a realização de acções, e a Vida do Além como uma morada para ser recompensado pelas acções praticadas pela pessoa.

Se alguém trouxer imán e realizar boas acções neste mundo, ele será recompensado com o Jannah pelas boas acções praticadas neste mundo. Contudo, se a pessoa não trouxer imán e levar uma vida de kufr e shirk neste mundo, ele será castigado no Jahannam na Vida do Além por não acreditar em Allah Ta’ala e no Díne do Islám.

Quando se examina a natureza deste mundo, notamos que a justiça plena não pode ocorrer, pois a riqueza, o poder e a influência estão nas mãos tanto de pessoas boas como de pessoas más. Assim, por vezes, a justiça é aplicada ao culpado, e por vezes, o culpado, devido à sua influência, consegue escapar às leis da justiça. O resultado é que os inocentes são tratados como criminosos e os criminosos são tratados como inocentes. Portanto, Allah Ta’ala criou a Vida do Além como a morada onde a justiça completa será concedida a todos.

Tal será a justiça de Allah Ta’ala no Dia do Juízo Final que se um animal com chifres oprimiu a um outro animal sem chifres no mundo, golpeando-o com os seus chifres, Allah Ta’ala ressuscitará ambos os animais e permitirá que a compensação ocorra entre eles.

Em suma, Allah Ta’ala criou a Vida do Além como a morada onde a justiça completa será implementada sobre todas as Suas criaturas e toda a criatura será compensada pelas suas acções. É por esta razão que Allah Ta’ala se referiu a Si mesmo como o Dono do Dia do Julgamento, pois somente a Sua decisão e julgamento prevalecerão sobre todos.

Recorrer somente a Allah Ta’ala em busca de ajuda

اِيَّاكَ نَعْبُدُ وَاِيَّاكَ نَسْتَعِينُ

Somente a Ti adoramos e somente a Ti pedimos ajuda.

Na língua árabe, a palavra ibádah (adoração) conota mostrar a maior humildade e submissão motivado por um intenso amor e respeito por alguém. Tal atitude de mostrar submissão de todo o coração, com intenso amor e respeito, não pode ser adoptada justamente para ninguém, excepto Allah Ta’ala.

Portanto, quando dizemos: “Somente a ti adoramos”, na verdade, estamos a declarar que nos submetemos inteiramente à Sua obediência e adoração, com um profundo sentimento de amor e respeito, pelo facto de Ele ser o nosso Criador e Sustentador.

Quando dizemos: “Somente de Ti pedimos ajuda”, reconhecemos que é somente através da decisão e decreto de Allah que qualquer assunto ou aspecto pode surgir e, portanto, somente Ele tem controle completo sobre todos os nossos assuntos. Assim, se adoptarmos os meios mundanos, é devido a Sua ordem que assim estamos a fazer, e não consideraremos os meios e recursos como sendo eficazes para alcançar o nosso objetivo, mas perceberemos que é somente através da permissão de Allah que os meios podem ser eficazes.

Portanto, qualquer meio que Allah Ta’ala proibiu alguém de adoptar, a pessoa se absterá de adoptar tal meio, pois isso equivaleria a se opor a Allah Ta’ala e a colocar a sua confiança nos meios harám, como por exemplo: levar empréstimos bancários com juros para aumentar a sua subsistência ou aderir a planos de seguros para proteger a sua riqueza.

A Essência dos Três Primeiros Versículos

Nos três primeiros versículos do Surah Fátihah, o homem reconhece a sua dependência em Allah Ta’ala no passado, presente e futuro.

No primeiro versículo, Allah Ta’ala explica que Ele é o Rabb dos mundos. Allah Ta’ala diz: “Todos os louvores pertencem a Allah, o Rabb dos mundos”. A partir deste versículo, aprendemos que somente Allah Ta’ala é Quem deu ao homem sua existência e somente Allah Ta’ala é Quem o sustenta, nutre e cuida dele em todas as fases da vida. Portanto, o homem deve reconhecer a sua dependência em Allah Ta’ala no passado.

No segundo verso, Allah Ta’ala explica acerca da Sua qualidade divina de mostrar bondade e compaixão sobre toda a Sua criação. Allah Ta’ala diz: “O Mais Compassivo, o Mais Misericordioso.” A partir deste versículo, aprendemos que em cada momento da vida do homem neste mundo, o homem depende inteiramente de Allah Ta’ala para a sua continuidade e sobrevivência. Portanto, o homem deve reconhecer a sua dependência em Allah Ta’ala também no presente.

No terceiro versículo, Allah Ta’ala explica que Ele é o Dono do Dia do Juízo Final. Allah Ta’ala diz: “Dono do Dia do Julgamento”. A partir deste versículo, sabemos que na outra vida o homem será inteiramente dependente de Allah Ta’ala para a sua salvação. Portanto, o homem deve reconhecer a sua dependência em Allah Ta’ala no futuro.

Depois que o homem entende e reconhece que era dependente de Allah Ta’ala no passado, ele continua dependente de Allah Ta’ala no presente, e será dependente de Allah Ta’ala no futuro, o resultado natural desta dependência é que o homem deve adorá-Lo exclusivamente e buscar ajuda e assistência somente Dele, pois ninguém mais pode ajudá-lo ou beneficiá-lo ou de qualquer forma além de Allah Ta’ala.

Este versículo também nos ensina que, uma vez que o homem deve adorar somente Allah Ta’ala e buscar ajuda somente Dele, fazer o sajdah, tawáf ou duá (implorar) a qualquer pessoa além de Allah Ta’ala não é permitido. Pelo contrário, o amor, o medo e a esperança da pessoa em Allah Ta’ala devem ser maiores do que o amor, o medo e a esperança dele por qualquer outro ser ou entidade. Nada deveria ser mais importante para o homem do que a sua lealdade e relacionamento com Allah Ta’ala.

Ao pedir a Allah Ta’ala a Sua ajuda divina, estamos implorando-Lhe pela Sua assistência divina, seja em relação a qualquer assunto deste mundo ou da vida do Além.

O Segredo do Surah Fátihah

Os Ulamá de Tafssír explicam que a essência de todo o Qur’án Majíd é encontrada no Surah Fátihah, e a essência do Surah Fátihah é encontrada neste versículo “إياك نعبد وإياك نستعين” (Somente a Ti adoramos e somente a Ti pedimos ajuda).

Quando examinamos este versículo, descobrimos que ele abrange duas partes. A primeira parte é: “Somente a Ti adoramos”, e a segunda parte é: “e somente a Ti pedimos ajuda”.

A primeira parte deste versículo é uma declaração de que a pessoa está livre de shirk e de associar algum parceiro a Allah Ta’ala.

A segunda parte é uma declaração de que a pessoa deposita a sua confiança e dependência somente em Allah Ta’ala e não em qualquer criatura para satisfazer as suas necessidades e desejos.

A explicação da primeira parte (Somente a Ti adoramos)

Conforme explicado anteriormente, a palavra ibádah (adoração) refere-se a mostrar a maior humildade e submissão a alguém motivado por intenso amor e respeito por ele. Obviamente, este grau de submissão não pode ser demostrado para ninguém além de Allah Ta’ala.

Consequentemente, se alguém concede a qualquer pessoa este tipo de submissão irrestrita e lhe obedece contra a ordem de Allah Ta’ala, isso será considerado como shirk.

A partir disso, podemos perceber que shirk (associar parceiros a Allah Ta’ala) não se limita aos actos de adoração e não ocorre apenas pela adoração de estatuetas de pedra e metal como fazem os idólatras, mas também ocorre através da obediência, veneração ou amor a alguém no grau que é digno somente para Allah Ta’ala.

No Qur’án Majíd, Allah Ta’ala fala sobre os judeus e cristãos, e as práticas de shirk em que eles estavam envolvidos, obedecendo e venerando os seus rabinos e sacerdotes contra as ordens de Allah Ta’ala. Allah Ta’ala diz:

اتَّخَذُوٓا۟ اَحْبَارَهُمْ وَرُهْبَانَهُمْ أَرْبَابًا مِّن دُونِ اللَّهِ

Eles tomaram seus estudiosos religiosos e monges como senhores para além de Allah Ta’ala… (Surah Taubah v. 31)

Hazrat Adiyy bin Hátim (radhiyallahu an’hu) era um Sahábi de Raçulullah (sallallahu alaihi wassallam) que era cristão antes de abraçar o Islám. Certa vez, ele foi ao encontro de Raçulullah (sallallahu alaihi wassallam) e perguntou: “Ó Mensageiro de Allah! Por que é que o Sagrado Qur’án condena os cristãos por terem tomado os seus estudiosos religiosos como senhores, apesar de eles nunca terem cometido shirk por adorá-los?”

Raçulullah (sallallahu alaihi wassallam) por sua vez perguntou-lhe: “Acaso não é verdade que quando os seus estudiosos religiosos declararam certas coisas como harám, embora Allah Ta’ala as tenha declarado como halál, e declararam muitas coisas como halál enquanto Allah Ta’ala as tinha declarado como harám, eles obedeceram aos seus estudiosos contra a ordem de Allah Ta’ala?”

Hazrat Adiyy bin Hátim (radhiyallahu an’hu) admitiu que isso era verdade. De seguida, Raçulullah (sallallahu alaihi wassallam) comentou: “Era exactamente desta forma que eles adoravam os seus estudiosos.”

Isto prova que somente Allah Ta’ala tem o direito de estabelecer o que é halál e harám. Portanto, se alguém acredita que alguma pessoa também tem o direito de declarar halál e harám, tal pessoa estará a cometer shirk, pois atribuiu alguém como parceiro de Allah Ta’ala no direito de declarar halál e harám, e por isso, é como se ele estivesse adorando aquela pessoa.

Consultar os estudiosos islâmicos para orientação

Isto não deve ser mal interpretado, de forma alguma, como significando que não é permitido consultar os estudiosos religiosos (Ulamá) em questões de Díne. A razão é que no Qur’án Majíd, Allah Ta’ala ordena àqueles que não têm conhecimento para consultarem aos que possuem conhecimento para adquirir esclarecimento em assuntos de Díne. Allah Ta’ala diz:

فَسْـَٔلُوٓا۟ اَهْلَ ٱلذِّكْرِ اِن كُنتُمْ لَا تَعْلَمُونَ

Pergunte aos homens de conhecimento se você não sabe… (Surah Nahl v. 43)

No entanto, os homens de conhecimento devem orientar as pessoas de acordo com as ordens de Allah Ta’ala, e não devem enganá-las distorcendo o Díne e convidando-as à sua própria obediência.

 

Outros exemplos de shirk

Outros exemplos que entra na categoria de shirk (associação de parceiros a Allah Ta’ala) é:

(1) Fazer sacrifícios (oferendas) a alguém além de Allah Ta’ala, por exemplo: abater um animal em nome de uma pessoa piedosa.

(2) Suplicar e orar a alguém além de Allah Ta’ala em momentos de necessidade ou angústia

(3) Fazer vénias ou prostrar-se diante de qualquer pessoa além de Allah Ta’ala

(4) Fazer tawáf em torno de uma pessoa ou coisa além da Casa de Allah Ta’ala – Ka’bah Sharíf

 

A explicação da segunda parte (Somente a Ti pedimos ajuda)

A segunda parte deste versículo é uma declaração de que a pessoa deve depositar a sua confiança e dependência somente em Allah Ta’ala, e não em qualquer criatura para o preenchimento das suas necessidades e desejos.

Deve ser entendido que este mundo é um lugar de causa e efeito. Sendo um lugar de causa e efeito, o Shariah ensina a adoptar os meios halál para o preenchimento das suas necessidades. Assim, no momento de necessidade, recorre-se aos serviços do médico, advogado, carpinteiro, construtor, etc.

Portanto, quando somos solicitados a fazer o duá “Somente a Ti pedimos ajuda”, será que este versículo nos proíbe de nos beneficiarmos dos serviços das pessoas?

A resposta a esta pergunta é que este versículo não nos proíbe de nos beneficiarmos dos serviços das pessoas, mas sim, o significado deste versículo é que não se deve acreditar que alguém dentre as criaturas, mesmo que seja um profeta ou santo, esteja vivo ou morto, tem o poder de administrar assuntos mundanos e preencher as necessidades de alguém, por exemplo: acreditar que uma certa pessoa piedosa pode abençoar alguém com filhos, ou que ele é responsável pelo sustento, etc. Subscrever-se a tais crenças é harám, pois é na realidade atribuir parceiros a Allah Ta’ala nos Seus atributos de dar a vida e morte, conceder sustento, etc.

O resumo é que quando recebemos ajuda de pessoas ou empregamos seus serviços, não acreditamos que elas tenham a capacidade de preencher às nossas necessidades, mas sim acreditamos que é apenas Allah Ta’ala quem tornará os meios eficaz e fará com que nossa necessidade seja satisfeita.

Implorar pela orientação de Allah Ta’ala

اهْدِنَا الصِّرَاطَ الْمُسْتَقِيمَ ‎﴿٥﴾‏

Guie-nos para o caminho recto.

Neste versículo, a palavra “اهدنا” é mencionada, que deriva da palavra “هداية” referindo-se à orientação. Em outras palavras, estamos implorando a Allah Ta’ala que nos abençoe com orientação divina e nos mostre o caminho recto.

Hidáyah (orientação) refere-se a guiar alguém ao seu destino com gentileza. A razão de fazermos duá a Allah Ta’ala para nos abençoar com orientação para o caminho recto é que o sucesso em ambos os mundos não pode ser alcançado sem orientação divina.

Os três níveis de orientação

Os Ulamá explicam que existem três níveis de orientação. O primeiro nível de orientação é geral e inclui todas as criaturas que existem no universo. Este nível de orientação é concedido por Allah Ta’ala a cada criatura, através do qual elas são capazes de existir, continuar e cumprir a sua função.

Este nível de orientação é mencionado no seguinte versículo do Qur’án Majíd:

قَالَ رَبُّنَا الَّذِي أَعْطَىٰ كُلَّ شَيْءٍ خَلْقَهُ ثُمَّ هَدَىٰ ‎﴿٥٠﴾‏

Ele (Nabi Musa [alaihis salám]) disse (para Fir’aun): “Nosso Rabb é Aquele que deu a tudo sua forma e o guiou.” (Sura Taha v. 50)

Da mesma forma, no Qur’án Majíd, Allah Ta’ala menciona acerca da abelha sendo guiada por Allah Ta’ala para adquirir néctar das plantas e construir a sua colmeia em telhados e montanhas. Outro exemplo são os pássaros que são guiados por Allah Ta’ala para construir ninhos para proteger seus filhotes do frio e para migrar para climas mais quentes nos meses de inverno.

Muitas pessoas consideram isto como um comportamento instintivo do animal, mas na realidade, é Allah Ta’ala quem guia cada criatura para cumprir a sua função.

O segundo nível de orientação

O segundo nível de orientação não é geral, mas específico para aquela criação que é considerada abençoada com raciocínio e inteligência. Esta criação refere-se ao homem e aos Jinn (gênios).

Este segundo tipo de orientação é enviado ao homem e aos gênios por Allah Ta’ala através dos Ambiyá (alaihimus salám) e dos kitábes e escrituras divinamente revelados. Consequentemente, o homem e os gênios são exigidos a acreditar nos Ambiyá (alaihimus salám) e seguir o Shari’ah que eles trouxeram para as suas nações. Allah Ta’ala diz:

وَمَا خَلَقْتُ الْجِنَّ وَالْإِنسَ إِلَّا لِيَعْبُدُونِ ‎﴿٥٦﴾

Eu não criei os gênios e o homem, exceto para Me adorar. (Sura Záriyát v. 56)

Quanto aos animais, embora possuam um certo grau de compreensão, esta é deficiente em comparação com a do homem, por isso, Allah Ta’ala não os tornou responsáveis de seguir o Shari’ah.

O terceiro nível de orientação

O terceiro nível de orientação é mais específico em comparação com o segundo nível. Este nível de orientação é concedido aos verdadeiros crentes que temem Allah Ta’ala e levam uma vida de taqwa.

Assim como o primeiro nível de orientação vem directamente de Allah Ta’ala para as várias criaturas, da mesma forma este terceiro nível de orientação também provem directamente de Allah Ta’ala para certos indivíduos, inspirando-os e motivando-os a trilhar o caminho recto, ao contrário do segundo nível de orientação que depende de o homem fazer um esforço para segui-lo.

Em essência, a diferença entre o segundo e o terceiro níveis de orientação é que o segundo nível de orientação pode ser semelhante ao direcionar alguém verbalmente ou fisicamente para o caminho da orientação, após o qual depende da pessoa adoptar a orientação e seguir nesse caminho. No que diz respeito ao terceiro nível de orientação, ele pode ser comparado ao pegar alguém pela mão e levá-lo fisicamente ao caminho da orientação.

Portanto, neste versículo, quando imploramos a Allah Ta’ala por orientação dizendo اهدنا الصراط المستقيم (Guia-nos para o caminho recto), é esse nível de orientação que estamos implorando a Allah Ta’ala.

No Qur’án Majíd, quando Allah Ta’ala atribui a Si mesmo como sendo o dador da orientação e não atribui a mais ninguém, é a este terceiro nível de orientação que se refere. Quando o tio de Raçulullah (sallallahu alaihi wassallam), Abu Tálib, faleceu em kufr, Raçulullah (sallallahu alaihi wassallam) lamentou a sua condição.

Naquela ocasião, Allah Ta’ala dirigiu-se a Raçulullah (sallallahu alaihi wassallam) dizendo:

إِنَّكَ لَا تَهْدِي مَنْ أَحْبَبْتَ وَلَٰكِنَّ اللَّهَ يَهْدِي مَن يَشَاءُ ۚ وَهُوَ أَعْلَمُ بِالْمُهْتَدِينَ ‎﴿٥٦﴾‏

Na verdade, (Ó Muhammad sallallahu alaihi wasallam) tu não podes guiar a quem tu amas, mas Allah guia a quem Ele quer (para o caminho recto). (Sura Qassas v. 56)

No entanto, em certos versículos do Qur’án Majíd, quando Allah Ta’ala atribui hidáyah e orientação aos Profetas (alaihimus salám) ou aos servos piedosos, é o segundo nível de orientação que é referido. Por exemplo, Allah Ta’ala elogia os Ulamá dos Banu Israíl dizendo:

وَجَعَلْنَا مِنْهُمْ أَئِمَّةً يَهْدُونَ بِأَمْرِنَا لَمَّا صَبَرُوا ۖ وَكَانُوا بِآيَاتِنَا يُوقِنُونَ ‎﴿٢٤﴾

E Nós os tornamos líderes que guiavam os seus povos com a Nosso ordem, quando eles aprenderam a perseverar e tiveram plena convicção nos Nossos versículos. (Sura Sajdah v. 24)

 

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